A década de 1930 foi um período de transformações significativas para o Brasil, refletindo também na estruturação da Justiça Militar no Estado de São Paulo. Em 8 de janeiro de 1937, a promulgação da Lei Estadual 2.856 instituiu a organização da Justiça Militar paulista, criando o Tribunal Superior de Justiça Militar (TSJM), precursor do atual Tribunal de Justiça Militar do Estado de São Paulo.
Com uma estrutura inicial composta por uma Auditoria e um Tribunal com três juízes, a nova instituição foi oficialmente instalada no dia 25 de fevereiro de 1937, em sede provisória na Rua Alfredo Maia, nº 34, no prédio da antiga Caixa Beneficente da Força Pública. O Coronel PM Arlindo de Oliveira foi nomeado o primeiro presidente do Tribunal, iniciando uma trajetória que, em 2025, celebrará 88 anos de história.
Pouco depois da instituição desta Corte, foi julgado o primeiro processo criminal do então TSJM.
Processo Criminal nº 1/1937
O processo nº 1 do Tribunal foi autuado em 31 de maio daquele ano no cartório da Auditoria do Tribunal Superior de Justiça Militar do Estado de São Paulo. Consta nos autos que, então com vinte e quatro anos e integrante da Companhia de Metralhadoras do Segundo Batalhão de Caçadores da Força Pública, o soldado J.C. ausentou-se do serviço de guarda no Grupo Escolar Miss Brown (atual FAZESP – Escola Fazendária do Estado de São Paulo) para se casar. Em setembro de 1936 completou-se o prazo para ser considerado desertor, o que levou à sua exclusão do efetivo de sua unidade.
Aos 12 de março de 1937, apresentou-se voluntariamente em seu quartel, onde foi preso e submetido ao Conselho Permanente de Justiça. Por sentença de 9 de junho de 1937, foi condenado à pena de quatro meses de prisão, nos termos do art. 194 do Decreto Estadual 437, de 20/3/1897, pelo crime de deserção, com a agravante de haver abandonado o posto. Em 14 de junho de 1937, embora já tivesse o réu cumprido a pena e sido solto, ambas as partes apelaram da sentença: a Justiça Militar, por seu Promotor, requereu a aplicação da Lei Federal 192 de 1936, mais rígida, e o réu, por seu Advogado, alegou que isso iria contrariar os costumes e princípios constitucionais da época.
Em parecer, o Ilmo. Procurador Manuel Francisco Pinto Pereira opinou pela declaração de nulidade do julgamento e por sua renovação em 1ª Instância, por entender que o Decreto Estadual 437 de 1897 era inconstitucional. Ao julgarem a Apelação Criminal nº 15/1937 – autuada aos 4 de agosto daquele ano na Secretaria do Tribunal –, os Juízes do Tribunal Superior de Justiça Militar, Arlindo de Oliveira (Presidente), Romão Gomes (Relator) e Mário Severo de Albuquerque Maranhão, por maioria de votos, rejeitaram o apelo da acusação e deram parcial provimento ao apelo da defesa, confirmando a sentença do Conselho, desclassificando, porém, o delito do grau médio para o grau mínimo. Restou vencido o Exmo. Juiz Mário Severo de Albuquerque Maranhão, que entendendo inaplicável ao caso o Decreto Estadual 437 de 1897, votou pela anulação da sentença, com a remessa dos autos à 1ª Instância para novo julgamento, dessa vez com base no Código Penal Militar.
O acórdão data de 18 de outubro de 1937. Conforme os autos de execução da sentença apensados aos autos principais, a pena foi cumprida com trabalhos no presídio do Barro Branco, tendo o soldado J.C. sido posto em liberdade aos 12 de julho de 1937.
Apelação Criminal nº 1/1937
No Processo nº 5 de 1937, autuado aos 31 de maio daquele ano no cartório da Auditoria do Tribunal Superior de Justiça Militar do Estado de São Paulo, o soldado J.P.P., então com 38 anos e integrante da 1ª Companhia do 7º Batalhão de Caçadores da Força Pública, ausentou-se do serviço de guarda no Destacamento de Espírito Santo do Rio Pardo/SP, sem licença, às 20h do dia 23 de maio de 1936, apresentando-se espontaneamente aos 8 de abril de 1937, na sede do seu Batalhão em Sorocaba (SP). Considerado desertor desde 1º de junho de 1936, foi preso e submetido a Conselho Permanente de Justiça. Por maioria de votos, o Conselho decidiu pela condenação do réu à pena máxima prevista para o delito: seis meses de prisão, nos termos do art. 194 do Decreto Estadual 437/1897, por reconhecer a ocorrência da agravante da reincidência.
Houve apelação por parte da acusação e da defesa. A Promotoria sustentou que, como o réu cometeu o crime na vigência da Lei Federal 192/1936, deveria ter-lhe sido aplicada a pena estabelecida no Código Penal Militar para os crimes de deserção, e não a do Decreto Estadual 437/1897, o qual assegurou ser inconstitucional, segundo jurisprudência da Corte de Apelação do Estado e do próprio TSJM. A Defesa, por sua vez, argumentou pela validade do Decreto Estadual 437/1897, o qual previa penas mais brandas do que as estabelecidas no CPM – razão pela qual este não poderia retroagir –, e pugnou pelo reconhecimento dos bons serviços prestados à Força Pública (como nos entraves ocorridos em outubro de 1930 e na Revolução Constitucionalista de 1932, bem como no movimento grevista ferroviário de janeiro de 1934, todos constantes dos assentamentos do acusado). Manifestou-se o Procurador de Justiça, Dr. Manuel Francisco Pinto Pereira, pelo provimento do apelo da Promotoria de Justiça Militar, anulando-se o julgamento para que outro fosse procedido, com observância do disposto no art. 19 da Lei Federal 192/1936, e pelo não provimento do apelo da defesa.
Em 3 de setembro de 1937, ao julgarem a Apelação Criminal nº 1/1937 – autuada aos 4 de agosto daquele ano na Secretaria do Tribunal –, os Juízes do Tribunal Superior de Justiça Militar, Arlindo de Oliveira (Presidente), Romão Gomes (Relator) e Mário Severo de Albuquerque Maranhão, por maioria de votos, rejeitaram o apelo da acusação e deram parcial provimento ao apelo da defesa, reconhecendo a atenuante “dos serviços de importância prestados à Força Pública”, confirmando a sentença recorrida, mas reduzindo a pena para quatro meses de prisão, grau mínimo do art. 195, c.c. os arts. 185 e 187, última parte, tudo do Regulamento que baixou o Decreto Estadual nº 437/1897. Estando o réu J.P.P. preso preventivamente desde 18 de abril de 1937, a sentença estava cumprida. O alvará de soltura foi expedido e cumprido em 10 de setembro de 1937.
Passados 88 anos, o TJMSP continua se destacando pela celeridade no julgamento de policiais e bombeiros militares.
Nos próximos capítulos desta série, continuaremos a explorar como essa Justiça Especializada se consolidou ao longo do tempo, reafirmando seu papel no equilíbrio entre a disciplina militar e a garantia de direitos. Acompanhe!